A observação médica criteriosa já demonstrava, desde tempos remotos, que a depressão anda de mãos dadas com diversas doenças clínicas, principalmente crônicas. Estudos epidemiológicos mais recentes vêm confirmando de forma inquestionável tal fato. A depressão pode aparecer como conseqüência, como causa, ou, simplesmente coexistir com uma doença clínica sem que haja uma correlação entre uma e outra.Pode ainda ser uma complicação da doença, ou mesmo de seu tratamento. A comorbidade em tela complica a evolução e o prognóstico tanto da condição médica geral como da própria depressão¹.
Epidemiologia
Cerca de um terço dos pacientes com doenças crônicas apresentam sintomatologia significativa de depressão²,sendo que a incidência de síndromes depressivas sobre doentes internados é três vezes maior do que a encontrada nos pacientes ambulatoriais, aumentando a morbimortalidade, o risco de suicídio em situações mais graves, a perda de produtividade e qualidade de vida, o absenteísmo ao trabalho e a incapacitação². Além disso, a depressão implica em baixa adesão¹aos tratamentos prescritos. Contrariamente, o tratamento do quadro depressivo aumenta sobremodo as chances de recuperação da doença e diminui o tempo necessário para tal. Esta relação, freqüentemente passa despercebida, mal interpretada ou é negligenciada, de forma que a depressão é subdiagnosticada (menos da metade dos casos) e apenas 10 a 30 % dos casos diagnosticados recebem tratamento adequado4.
Etiologia
Em diversas situações, doenças clínicas produzem, “per se”, sintomatologia depressiva importante, assim como um quadro depressivo polimorfo pode ser a manifestação aparente de uma patologia clínica. Sintomas como tristeza, angústia, apatia, anergia, adinamia, anedonia, insônia, anorexia, perda de peso, lentificação psicomotora, dores difusas e outros podem ser enquadrados nos dois casos2. Sintomas somáticos, específicos da condição médica também podem ser amplificados pela depressão, dificultando o cenário terapêutico e sombreando o prognóstico. Na tabela abaixo podemos observar diversas condições médicas que podem estar associadas comumente à depressão;
Fisiopatologia
O stress prolongado, e assim podemos considerar as enfermidades crônicas (pelo seu caráter espoliativo), compromete todo o sistema neuroimunoendócrino, a começar pelas ações deletérias do cortisol, hiper-reatividade do eixo HPA, facilitação das atividades degenerativas das interleucinas e citocinas pró-inflamatórias, baixa produção de fatores neurotróficos (BNDF, NGF, VEGF) com a consequente atrofia neuronal (diminuição das espinhas dendríticas e axonais, pouca conectividade) com diminuição volumétrica e funcional em diversas áreas do SNC, como hipocampo e córtex pré-frontal dorsolateral, ventromedial e subgenual, córtex cingulado anterior, nucleus accumbens, striatum, hipotálamo e cerebelo, assim como alterações nas amígdalas, rafe e locus ceruleus, comprometendo a neurotransmissão (serotonina, noradrenalina, dopamina, acetilcolina, neuropeptídios)3,5, distorção, via metilação do DNA, na transcrição e expressão gênicas, acarretando na síntese anormal de proteínas5. Estas condições levam, de forma inequívoca, à eclosão de sintomatologia depressiva3,5.
Tratamento
Em adição à terapêutica indicada para a doença clínica comórbida, o tratamento prolongado com substâncias antidepressoras, além de sua propriedade de normalizar a neurotransmissão disponibilizando maior quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica, tem efeito neuroprotetor, promovendo, através de uma cascata de eventos intracelulares, a neurogênese, a sinaptogênese e, consequentemente, a neuroplasticidade3,5. Eleva a produção de neurotrofinas (propiciadoras da sobrevivência e desenvolvimento dos neurônios), propicia a fosforilação das histonas (acarretando em desmetilação do DNA), liberando a expressão gênica, finalmente normalizando a síntese protéica, base de todo o funcionamento do sistema5.
O tratamento da depressão associada a uma doença clínica é fundamental porque pode melhorar sobremaneira a evolução e o prognóstico desta, diminuir a mortalidade ou aumentar a sobrevida. Estudos gabaritados demonstram fartamente que a perda de qualidade de vida imposta pela comorbidade resulta muito maior do que a soma dos efeitos nefastos das entidades mórbidas em separado4.
Caso confirmado o diagnóstico de depressão, está indicada a intervenção farmacoterápica, coadjuvada por abordagem psicoterápica, se possível. A escolha do medicamento antidepressivo deve cotejar o perfil farmacológico da substância com o perfil sintomático do paciente. A título de exemplo, se o psiquiatra se depara com um quadro psicopatológico no qual a sintomatologia predominante é apato-abúlica com hipersonia e hiperorexia é plenamente aplicável um medicamento como a Venlafaxina. Se, ao contrário, a preponderância recai sobre sintomas depressivo-ansiosos com insônia e anorexia, a escolha pende para um fármaco do tipo da Mirtazapina. De modo geral, os ISRS, já bem estudados, são muito seguros e eficazes, especialmente o Escitalopram, face ao baixo potencial de interações medicamentosas e efeitos adversos.
Marcos Gebara
Referências Bibliográficas
1 – Dimateo, M.R., Lepper H. S., Cogham T. W. –Depression is a Risk Factor for Noncompliance with Medical Treatment: Meta-Analysis of the Effect of Anxiety and Depression on Pacient Adherence. Arch. Intern. Med. 160:2101-7, 2000.
2 – Katon W. J. – Clinical and Health Services Relationsips Between Major Depression, Depressive Symptoms and General Medical Ilness. Biol. Psychiatry 54:16-26, 2003.
3 – Masterclass on Psychofarmacology in Affective Disorders by Professor Herman Westenberg – University Medical Center, Utrecht, 2011.
4 – Robertson M. M., Katona C. L. E. – Depression and Physical Ilness. Chichester, Wiley, 1997.
5 – Yale Department of Psychiatry, Mood Disorders Preceptorship, New Haven, 2010.